sexta-feira, 13 de maio de 2011

O larápio e a lata de chá

Quando era pouco mais novo, quando não passava dos dez, costumava recolher coisas de valores pessoais, não passava de um punhado de coisinhas velhas encontradas no decorrer de uma década útil. Recolhia-as e as guardeava dentro de uma lata de chá, já com a tinta descascada e digna de ser um soldado fatigado pela guerra, mas ainda resistente. Lembro-me dos cachos dos meus gatos, era um cacho para cada gato, até para aqueles já tinham se ido, tinha também uma carta em forma de desenhos de vizinhas que, quando saíamos de férias, elas, em desenhação, retratavam a dor de uma saudade. Guardava as lâmpadas queimadas de todos os Natais, meu futebol de botão, minhas trovas tortas, meus dissabores vis... o irônico é que me roubaram-na, não pela opulência dos artefatos, mas pela raridade da lata. O larápio não conhecia a destruição onírica que iria induzir ao garoto, o pôs em holocausto das próprias crenças e ainda aniquilou belas poesias devires: a jovem insegurança é tamanha que, até hoje, lhe faltam verbos para conectar as idéias dispersas no medo de tentar finalizar algo que, quando colecionava, ele tentou e foi abruptamente interrompido.

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