sábado, 4 de setembro de 2010

Sobre levitar

Ele anda deprimido com uma tristeza que entranha em quem vê e faz danar a mais bela alegria que há em nós. Ele também percebeu que sua idade se tornou oponente aos sentimentos que tinha no peito. Acho que está endoidando. A sua mulher, Amparo, de tanta coisa ruim, se acostumou... vive com os olhos grelados prestando atenção nos minúsculos detalhes de um fio de lã. E se, por acaso, alguém chamá-la, mande esperar duas horas pra que ela venha perceber e mais trinta minutos para vir atender. Ele saiu do emprego e não sai de casa, entre a sala e a garagem a gente vê o percurso feito por um ser que só se move, não parece pensar. O dedilhado é de praxe, aprendido de cor, não tem como ela esquecer. Parecem-me monstros alienados da terra dos vividos... ela vive circundando a aliança de casamento: eles já foram felizes e, enquanto a mente dela ciranda entre o passado, ele foca no futuro. Carrega madeira para a garagem e as aplaina, fazendo, assim, pernas de pau. Ele acena e ri e se faz ser feliz. Parecem dois anjos levitando, ele tapando o sol com os braços abertos parecendo voar e Amparo amparada pelo divino matrimônio e entre tules e tecidos. Ela procurou o passado. Ele procurou as pernas de pau. Esses são refúgios achados.

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